Paradoxalmente é difícil imaginar realizar um sonho e vivê-lo. Foi exatamente isto que vivi agora no mês de julho. Sempre ouvi falar das maravilhas do Rio Araguaia e suas lendas. Mesmo no imaginário e fantasioso de uma novela por exemplo, como foi o caso da que foi gravada em pleno Araguaia, dá a sua mente uma espécie de realização, ainda que incompleta a respeito do lugar. O sol nascendo, se pondo, os pássaros, os bichos, conferem ao Araguaia, um cenário de paraíso; seja lá como quiser imaginar um. O dourado do sol se pondo no crepúsculo é recordar no subconsciente, imagens só vistas em filmes de natureza. A noite tardava em envolver tudo no breu. Depois, como num passe de mágica, tudo ficava naquele instante, iluminado pelas estrelas no céu.
Depois de percorrer um trecho de avião até Goiânia, tomamos um ônibus luxuoso para seguir mais 10 horas pela rodovia Belém/Pará, como é conhecida. Paramos numa churrascaria à beira da estrada e seguimos viagem o dia inteiro até que o sol desapareceu por trás de uns montes ao longe, dourado como fogo em primeiro momento para depois refletir alguns raios que iam do vermelho ao violeta em questão de segundos, encobrindo completamente a paisagem de serrado do planalto central. Meu corpo se encontrava numa letargia geral, de felicidade, preguiça e cansaço.Corpo e espírito tentando entender o que significava estar ali, naquele momento, realizando o que um dia havia sonhado. É realmente uma forma excepcional de sentimento, que não me deixou dormir de jeito nenhum. Estava exausto. Queria saber mais sobre aquele lugar. Num determinado momento, me mexendo para lá e para cá na confortável poltrona do semi leito, resolvi levantar-me e ir até a dianteira do veículo conversar com o solitário José Noveli, motorista experiente naquelas longas estradas, revelou-me que já havia percorrido aqueles caminhos vezes sem conta. Contou-me sobre muitas coisas, lugares, histórias, etc...Apesar do cotidiano, naquela noite iluminada, estava se sentindo solitário ao volante, e a minha vinda até a sua cabine, foi bem vinda. Passamos por dentro de grandes fazendas, de políticos brasileiros, com imensidão de tamanho e valor. Uma tinha até pontes especiais para que o gado passasse em harmonia por sobre a rodovia. Outra tinha até uma mansão à beira do Rio Araguaia, conferindo ao lugar um ar de Emirados Árabes, símbolo de poder e riqueza.
Não consegui pregar os olhos, mesmo depois de ter voltado a minha poltrona. Meus companheiros de viagem roncavam e zuniam o mais alto dos sons, e eu ali, viajando, literalmente.
A nossa condução de ônibus iria nos deixar numa pousada à beira do Rio Araguaia, onde ao amanhecer seguiríamos, agora de barco, mais 50km até a sede da Pousada Asa Branca, numa ilha na beirada da Ilha do Bananal. A ilha do Bananal possui uma extensão de 480km, tornando-se a maior ilha fluvial do mundo. É um verdadeiro habitat natural de várias espécies de animais, aves e plantas. Eram cinco e meia da manhã quando nosso guia de pesca contratado acionou o motor 40 Yamaha, rumo ao nosso destino final; uma verdadeira aventura, diga-se de passagem, não é? Melhor assim, senti meu espírito; quanto pior melhor! O dia começou a raiar. O céu estava limpo, imaculado. Os primeiros raios de sol começaram a refletir nas águas do Araguaia. Liguei a filmadora e comecei a registrar as primeiras imagens para o Programa Casa do Pescador. Para onde apontasse a câmera, saiam imagens alucinantes; não precisava, penso eu, ser um experiente cinegrafista, o lugar dizia tudo por si só. Obviamente, a única coisa que não poderia deixar escapar, era o controle do melhor ângulo e da câmera em si.
Chegamos ao paraíso chamado Asa Branca, da qual sempre ouvi falar, imaginar, e até, por incrível que pareça, sentir o aroma do lugar. Nada me decepcionou; tudo era como igualmente havia imaginado. Parecia mais um sonho mesmo. O Rio Araguaia, devido a estação das secas, estava baixo, revelando imensas praias de areias branca, bege e marrom. Descansar? Jamais. Apenas alguns minutos para descarregar a tralha e já estávamos novamente no barco. Desta vez iríamos preparar, gravar e documentar o nosso primeiro programa de pesca esportiva, para a TV Sol, de Indaiatuba. A expectativa era muito grande. Afinal de contas, estávamos ali, depois de ter percorrido longos quilômetros e muitas horas, para realizar um sonho, aproveitar, e trabalhar. Entre uma fisgada e outra, cabeceávamos de sono, depois de um longo período de viagem.
Porém, tudo valeu a pena quando as primeiras imagens dos grandes peixes de couro, como são conhecidos as Piraíbas, Pirararas, começaram a aparecer à superfície. Muitas imagens de fotos e filmagem, culminando com a liberdade do peixe ao rio novamente. Por isso trata-se de pesca esportiva. Só assim as futuras gerações irão conhecer, apreciar o que tantas vezes comentamos; preserve a natureza.
O retorno para a pousada foi ainda mais triunfal. A tarde caia lentamente e o lusco-fusco do entardecer tomava conta preguiçosamente do ambiente. Com os corpos cansados, mas com a alma pulsando como uma leoa em plena caça, vivemos aquele momento único em nossas vidas. O Darci não precisou dizer nada para que eu pudesse entender e decifrar esta condição, bastava ver um pouco do que podia enxergar entre alguns parcos raios de sol refletidos em seu rosto dentro do barco. A noite caiu finalmente ,e deu lugar a uma preguiçosa lua minguante, parecendo um pedaço de unha cuidadosamente cortada.
A medida que o barco avançava rapidamente, a água do rio sob a embarcação parecia uma superfície de gelo vítreo, polido, refletindo os contornos da lua nitidamente. O céu, salpicado de estrelas cintilantes, parecia faiscar no firmamento. Aí eu pergunto: é ou não é um sonho? Só estando lá para sentir. Em palavras, por mais especialista que seja, jamais conseguirei transportar aquilo tudo para o seu coração; mas pelo menos, acredito, estou lhe fornecendo uma noção do que é
Vinte e quatro horas no ar. No quarto da pousada meu corpo e minha alma recusavam a apagar, tamanha era a aventura vivida.
Depois, talvez de muita insistência do meu cérebro, brigando com o corpo, consegui adormecer. Se queria descansar não sabia divisar; pelo menos o corpo. Tinha certeza de que isto só aconteceria depois que voltasse da longa viagem. Mas a alma estava agradecida demais por tudo aquilo. Me fez lembrar até de uma frase que diz: “O tempo enruga o corpo, e deixar de realizar seus sonhos, enruga a alma”. Sábia frase, não?
Passaram-se cinco dias maravilhosos no Rio Araguaia. Missão cumprida. Trabalho realizado com o maior carinho do mundo. Finalmente restava voltar tudo o que havíamos percorrido, mas desta vez, sentindo em cada poro, que valeu a pena cada esforço, cada minutinho gasto, muito sol tórrido o dia todo; tudo valeu a pena. E tudo vale a pena quando a alma não é pequena, já dizia Fernando Pessoa.
Entre sonhá-lo e vivê-lo, consegui realizar ambos. Recomendo a todos. Boas aventuras
Sem enchente
Sem enchente
O espetáculo da natureza, por isso amamos este lugar.
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Índia mestiça da Aldeia Meruri, Maria do Carmo Toledo, mostra miniaturas de Índios Kalapalo e Xavante. Ela morou na Ilha do Bananal, mora em Aragarças às margens do Berohokã - o grande Rio Araguaia - e com seu trabalho viajou pelo Brasil mostrando o que o índio produz e usa e, assim, mantém viva a cultura indígena | Cuias de Coité para tomar água e instrumentos musicais como o maracá utilizado nas danças indígenas | |
Foto histórica mostra índio Karajá da Ilha do Bananal na década de 50 | Aruanã dos índios Karajá | |
Foto histórica mostra Xavantes há 50 anos preparado alimentos. "Como a alimentação muda o ser humano. Os índios Xavante tinham estatura de 2 metros de altura e, hoje, estão na faixa de 1,70 metro por causa da alimentação. Antes comiam muitas frutas, peixe, caça e hoje estão comendo muito pão, tomando refrigerante e continuam comendo carne", observa Maria do Carmo em foto exposta em sua loja Bêro Can em Aragarças | Tela com criança Caiapó | |
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Tela com criança Caiapó | Outra foto histórica mostra índio Xavante na década de 50 conduzindo cesto na cabeça | |
Maria do Carmo: "O artesanato indígena feito dentro de uma aldeia tem uma alma. Quando é feito fora da aldeia fica mestiço como eu" | ||
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Reprodução de tela mostrando índio Caiapó | Brincos com penas de aves | |
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Cesto para carregar alimentos ou objetos | Colares confeccionados utilizando sementes | |
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Índio Caiapó em tela de um artista plástico do sul da Bahia | Maria do Carmo: "Na nossa passagem por este planeta, curumim, temos de deixar nossas pegadas" | |
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Tartaruga confeccionada a partir de cabaças: artesanato local de Aragarças | Máscaras do kuarup do Xingu e cestarias Karajá | |
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Artesanato mostra o Aruanã dos índios Karajá | Resina aromatizante | |
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Rio Araguaia em Aragarças, Goiás. O quintal de Maria do Carmo sai na Praia Quarto Crescente. Do outro lado do rio é Barra do Garças, no Mato Grosso | Entrevista concedida em cima do banco xinguano com as cerâmicas dos índios Wuará ao fundo | |
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Tela pintada por Maria do Carmo: índio xinguano | Máscaras indígenas utilizadas no Kuarup no Xingu | |
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"Saí da aldeia com 14 anos, casei com 17 anos e fui embora. Quando retornei achei que meu povo estava perdendo a cultura. Estavam se envolvendo com álcool, as meninas muito cedo já eram mães - meninas com 18 anos já tinha três ou quatro filhos. Eu quis ajudar eles de alguma maneira" | O turista em Aragarças encontra artesanato indígena | |
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Artesanato local: pescador com vara de anzol em Aragarças ou Barra do Garças | Maria do Carmo em sua loja | |
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Maria do Carmo em banco esculpido por índios do Xingu. Detalhe: um animal com duas cabeças. | Maria do Carmo e Yuara Crescencio em Aragarças | |
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"Como eu não era funcionária da Funai, montei uma loja para mostrar a cultura deles criando uma ponte em Barra do Garças, Aragarças, entre o índio do Acre, Rondônia, São Félix do Araguaia, Xingu e de Brasília. Mas para manter essa ponte funcionando pensei no custo que ia ter e na terra de índio não se vende coisa de índio. Então fui obrigada a sair para fora, fazer exposições por todo o Brasil levando o índio para mostrar que realmente era do índio" | Colar confeccionado por índios com "pedras" retiradas da cabeça do peixe curvina. Cada peixe tem duas "pedrinhas" dessas na cabeça | |
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Banco xinguano, peça única na loja | Coités, cestos e maracás | |
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Artesanato: ET. Em Barra do Garças em cima da Serra Azul há um discoporto e há quem diz que já viu Ovinis no local | Um dos colares dos índios xavantes é feito com sementes do capim navalha | |
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Maria do Carmo no seu quintal na beira do Rio Araguaia | Outro ângulo da loja | |
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Banco esculpido por índios do Xingu | Cuias e o maracá de coite utilizado durante as danças indígenas | |
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Cerâmica dos índios Waurá do Xingu: peças utilitárias. Cerâmica para uso no dia-a-dia | Cerâmica dos índios Karajá que mostra mais a pintura corporal | |
Puçá é um tipo de rede indígena utilizada pelos índios para pescar | ||
Veja também vídeo que mostra o trabalho da índia mestiça do Berohokã | A Cultura Indígena Extrapola Fronteiras | |
Índios do Brasil | ||
Artigo: Jornalista Wagner Oliveira |