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Leandro e Ana moram no Instituto Onça-Pintada, em Goiás, dedicado à preservação do maior felino da América.
Dar mamadeira, ensinar os primeiros passos, preparar para o mundo. É ou não é um trabalho lindo? Mas não estamos falando de crianças. Estamos falando de onças. E de um emocionante esforço para preservá-las.Você ficaria tranquilo vendo seus filhos brincarem com um filhote de onça?“O Tiago participou intensamente da vida dos filhotes, enquanto filhotinho mesmo. Ele só está com ela enquanto a gente está assim pertinho, que tem total segurança”, conta a bióloga Ana Jácomo.Que família é essa que cria onças no quintal de casa?“Ela acabou de trocar a dentição e está numa fase de testar os dentes”, conta o biólogo Leandro Silveira.A situação é de risco, mas Leandro e Ana são especialistas no assunto. Eles e o pequeno Tiago moram no Instituto Onça-Pintada, em Goiás, dedicado à preservação do maior felino da América.Fantástico: Mas impressionante que ela pega a sua mão, mas não aperta.Leandro: Agora ela está mamando, por algum momento ela relembrou da infância dela, nós tratamos, cuidamos dela na mamadeira, então ela está agindo até de forma estranha.Leandro é o responsável por um projeto inovador no Brasil. A ideia surgiu quando ele começou a cuidar dos filhotes de onças mortas por fazendeiros.“Nós resolvemos fazer esse trabalho pioneiro e testar se seria capaz da gente, o ser humano, de criar esses animais, treinar, dar oportunidade de eles caçarem, fazer o papel da mãe deles e voltar para a natureza”, destaca.Em suma: ensinar uma onça a ser onça. Juma é o nome da órfã mais nova e carinhosa, que ficou brincando com a equipe do Fantástico durante a entrevista. Ela chegou ao local com três meses de idade.Na área do instituto, Leandro solta Juma. Ela precisa aprender a dominar grandes espaços. Subir em árvores pode ser útil quando estiver na floresta. E descobrir o instinto predador também faz parte do curso de sobrevivência na selva.Ela praticamente nasceu no local, chegou como órfã, foi tratada na mamadeira, agora está com oito meses de idade.Pantera é o nome dado pela família a essa outra onça órfã, que também chegou ainda filhote ao instituto.“A onça preta, como a Pantera, é exatamente a mesma espécie da onça pintada”, explica Leandro.Pantera não é tão dócil, e ficou meio irritada com a presença da nossa equipe.“As orelhas estão sempre acompanhando todo barulho, a movimentação e ela está fixa em vocês”, conta o biólogo.Quando crescerem mais um pouco, Pantera e Juma vão voltar pro ambiente natural delas. Uma viagem que vai acontecer agora com outras duas onças do instituto.O nome do macho é Xingu. A fêmea se chama Luna. São mais velhos e sempre foram muito agressivos.Fantástico: Você não entra mais aí?Leandro: De forma alguma. Se eu entrar vai ter um acidente grave.Fantástico: Eles que vão pro Tocantins?Leandro: Esses dois vão pro Tocantins e vamos tentar essa possibilidade de reintegrá-los na natureza numa área bastante isolada de pessoas e de fazendeiros pra ver se eles conseguem ter uma segunda chance.Xingu e Luna são anestesiados por veterinários e transportados com a máxima segurança. No meio do caminho, já tinham acordado.Depois de uma viagem de mais de mil quilômetros, as onças chegam à fazenda onde vão passar por um estágio de adaptação.São soltas com muito cuidado. Primeiro, o Xingu. Ele é posto numa jaula intermediária entre a sede da fazenda e uma área grande, de vegetação natural, mas ainda cercada.Luna fica nervosa no carro. Está brava. Vai passar pelo mesmo caminho e encontrar Xingu do outro lado da jaula.As duas onças exploram juntas a casa nova antes de serem devolvidas de vez à natureza. Estão sendo observadas pelo Ibama e devem ser soltas no fim de janeiro. O dono da fazenda cria gado.“Pode parecer um contra-senso, mas eu acredito que a pecuária moderna, a agricultura moderna, vai ter que aceitar essa integração do meio ambiente com seu meio de produção”, afirma o veterinário Fernando Silveira.A contagem do número de onças no cerrado de Goiás é feita por câmeras colocadas no Parque Nacional das Emas e em áreas de fazendas. No último levantamento, foi estimado que apenas 30 onças vivam hoje no parque, uma área de preservação da vida animal.Ao lado do parque, o Rio Araguaia nasce numa propriedade particular. Uma das nascentes do Rio Araguaia originou a criação de uma RPPN, Reserva Particular de Patrimônio Natural. A iniciativa de criar a reserva foi do dono da fazenda, que conciliava a produção agrícola com o replantio de mata virgem em alguns trechos. A viúva dele dá sequência ao trabalho.“A gente pode produzir muitos grãos sim, mas a gente pode preservar também”, observa a fazendeira Maria Fries.O gerente da Reserva do Araguaia espera a adesão de outros fazendeiros, para que as margens do rio sejam inteiramente preservadas até o Tocantins, criando um corredor verde que ligue o cerrado à Amazônia.“Os animais vindos do parque nacional das emas atravessam a RPPN, utilizam esse corredor da RPPN, chegam ao rio Araguaia e podem ir para o bioma da Amazônia também. E vice-versa os animais que estão retornando da Amazônia”, explica o agrônomo Dalton Nogueira.Mas a realidade ainda é outra. Não há ligação entre os poucos espaços preservados para a fauna. As onças vão caçar nas fazendas de gado e são afastadas a tiros.Xavante tem três anos de idade e foi criado no Instituto Onça-Pintada desde que era um filhote órfão.Fantástico: Um abraço desse, mesmo carinhoso, pode ser até fatal, porque ele pesa.Leandro: É, são 110 kg de abraço aqui e as vezes com unha. Então é um abraço pesado.Xavante e duas irmãs foram a primeira leva de onças ensinadas por Leandro e levadas de volta para áreas de floresta. Mas Xavante precisou ser recapturado pelo instituto.“O Xavante quando foi solto, ele e as irmãs dele, ele provou que era capaz de caçar, ele abateu presa, ele matou anta, ele matou queixada, mas ele também começou a perambular por áreas de pecuaristas e nós tínhamos receio de que ele pudesse ser abatido, como a mãe dele foi”, destaca Leandro.Xavante deve ficar para sempre no cativeiro. Para o amigo das onças, a preservação da espécie depende da conscientização de todos os fazendeiros.Fantástico: A solução não é recuperar os órfãos, é evitar que eles fiquem órfãos?Leandro: Essa que é a questão. Esse que é o grande desafio que a gente tem em mãos.