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Sábado, 22 / 02 / 14

Dom Pedro Casaldáliga: Uma visita de 'turista'

Por Aray P Nabuco*Um turista que chega ali talvez pergunte por um bom ponto de pesca, cachoeira ou artesanato indígena dos karajá e xavante. Mas quando cheguei a primeira vez em São Félix do Araguaia (MT) nenhum desses passeios típicos da cidade me preocupava. Quis logo visitar seu morador mais conhecido e começava com um problema a menos: não precisaria de guias, centros de informação ao turista, nem cicerones. Não lembro bem, mas na época, lá pelos fins de 1990, havia um conflito indígena pelos diamantes das terras dos cinta-larga e escalei esta minha desculpa para a visita a dom Pedro Casaldáliga. Confesso que, mais ou menos, menti.

"Hoje, certamente, Félix estaria ao lado de Casaldáliga para defender os índios dos ataques dos colonos"

Qualquer um na rua, que seja morador de São Félix, sabe onde Casaldáliga mora na cidade de pouco mais de 10 mil habitantes e que devido a grandiosidade de seu trabalho e generosidade de seu pensamento entrou para a vida nacional, para o noticiário e parecia bem maior do que é. Casaldáliga encarna de certa forma o espírito de Félix, cristão que negou a confortável fortuna da família, foi perseguido, preso e torturado e usou a única pequena propriedade que lhe restou para plantar e distribuir aos pobres. Foi batizada com o nome do santo pelos colonos 'brancos', como proteção contra os ataques dos índios, os xavante na mata dentro e karajás, que habitam as margens do Araguaia 'desde sempre', pois para eles, sua nação emergiu das profundezas do rio. Mas hoje, certamente, Félix estaria ao lado de Casaldáliga para defender os índios dos ataques dos colonos. 
 VisitaInformaram que a casa do bispo era ao lado da igreja. Um imóvel simples, muito simples e pequeno, que também não se podia dizer novo, na rua principal que saía do píer às margens do Araguaia. Me apresentei como jornalista - que sou de fato -, destrinchei minha desculpa da entrevista e ele, gentilmente, convidou a entrar - podia duvidar diante de tantas ameaças que já sofria na época e de um sujeito de boné cata-ovo, camiseta, bermuda e bota, apesar do disfarce do bloquinho de papel e caneta na mão.Entramos pela cozinha, por um corredor ao lado da casa, onde um morador esperava o ainda bispo da Prelazia de São Félix com um cacho de bananas pego naquela hora na mata para oferecer-lhe; aceitou, seria uma ofensa não aceitar e, para mim, começava ali a lição de entender o que ele significava para os comuns, o respeito e solidariedade que sua pessoa suscitava. Na casa, que já não lembro tão bem, mas lembro que não vi um traço de excesso, de usura; os móveis eram bem usados, em bom estado, comuns. Numa prateleira, algumas drusas de quartzo, certamente não para atrair duendes; é um minério bonito e comum nas vizinhanças de Goiás e Tocantins.Casaldaliga-Igreja-iConvidou-me ao outro cômodo, tipo a sala; onde havia o que deduzi ser sua escrivaninha: uma cadeira diante de uma mesinha pequena de madeira escura com uma máquina de escrever. Talvez fosse dali que ele emanava suas ideias humanitárias, libertadoras, registrava sua luta em favor de pequenos agricultores, indígenas e ribeirinhos desterrados, acrescentava experiências à Teologia da Libertação, que adotou, compartilhava as atitudes e posturas que o tornaram um fundamento na luta contra as opressões. O Félix de São Félix, que rezava na nave de sua igreja em frente a uma cena do Calvário com tipos negros, caboclos, ribeirinhos e índios, que agora são atacados por fazendeiros, como o Cristo foi pela elite poderosa de sua época.

"Não se sabe que tipo de ser humano é capaz de puxar o gatilho contra o pastor dos pequenos no rebanho social, um octogenário senhor franzino, de cabelos de metal, mobilidade auxiliada por bengala e já obrigado ao silêncio pela própria igreja para a qual dedicou sua vida. Mas sabemos que eles existem"

Devido às suas 'perigosas bombas de solidariedade', um insulto aos interesses financeiros e latifundiários, Casaldáliga foi retirado da cidade por juras de morte, que recomeçaram na semana passada, quando começou a operação de forças policiais para a saída dos invasores das terras xavante. Não se sabe que tipo de ser humano é capaz de puxar o gatilho contra o pastor dos pequenos no rebanho social, um octogenário senhor franzino, de cabelos de metal, mobilidade auxiliada por bengala e já obrigado ao silêncio pela própria igreja para a qual dedicou sua vida. Mas sabemos que eles existem e que quase sempre continuam livres, à revelia da Justiça. Basta o que aconteceu a Dorothy Stang.Caros AmigosTive vergonha de confessar a dom Pedro Casaldáliga o desejo de apenas conhecê-lo, de vê-lo pessoalmente e por isso achei que precisava da desculpa da entrevista - aventei comigo mesmo negociar a publicação do material em Caros Amigos e assim, meu álibi para o encontro com ele estaria salvo; mas não deu mesmo; estava a trabalho, navegando pelo Araguaia e só voltaria a uma cidade 15 dias depois; não havia a internet e a facilidade de e-mail, nem celulares 3G, e o assunto da hora ficou para trás. Hoje, penso que não precisava de qualquer desculpa para uma aproximação, era só 'chegar chegando', como dizem, e ele também receberia, como pacientemente fez comigo.Dom Pedro Casaldáliga provavelmente nem se lembre do sujeito de cata-ovo que roubo-lhe pouco mais de 1 hora de conversa e entrevista. Desculpe, dom Pedro; turistas se contentam com monumentos de concreto e paisagens; jornalista, quis conhecer aquele que faz da sua vida um monumento para a humanidade. *Aray P Nabuco é jornalista e editor executivo do site de Caros AmigosFonte: http://www.carosamigos.com.br/index.php/artigos-e-debates/2828-dom-pedro-casaldaliga-uma-visita-de-turista
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publicado por 100porcentoloucospeloaraguaia às 17:14
Sábado, 22 / 02 / 14

CAMPONESES DO ARAGUAIA - A Guerrilha Vista Por Dentro

http://www.youtube.com/watch?v=UhpO4I2O0zsDocumentário de Vandré Fernandes estreiou na Mostra de SP e trouxe viés inédito do combate contra a ditadura no interior do país.A Guerrilha do Araguaia já foi tratada a partir de dois pontos de vista primordiais: o lado oficial dos militares e o dos participantes da notória luta armada. Iniciado pelo PCdoB no fim da década de 60, o movimento que visava instalar a resistência popular contra a ditadura agora ganha nova abordagem no documentário "Camponeses do Araguaia - A Guerrilha vista por dentro", do diretor Vandré Fernandes, ex-dirigente da UJS.O filme traz relatos dos diversos camponeses que vivenciaram a Guerrilha no dia-a-dia, contando curiosidades do relacionamento com os guerrilheiros e também das marcas que deixaram as torturas dos militares, ampla e irrestrita a todos que moravam na região onde foi deflagrado o conflito. Há ainda um rico bando de imagens, que complementam esse importante registro de uma parte ainda pouco explorada da história brasileira."Camponeses do Araguaia - A Guerrilha vista por dentro" faz parte da programação da 34ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e teve estreia marcada para o dia 22 de outubro no Unibanco Arteplex.O Portal UJS bateu um papo com Vandré Fernandes, que conta mais detalhes de sua produção.Como e quando surgiram as primeiras ideias para o documentário?A ideia surgiu no primeiro semestre de 2009, quando ficamos sabendo que os camponeses do Pará que vivenciaram e se envolveram na Guerrilha do Araguaia iriam ser anistiados pelo Estado Brasileiro. No início, a Fundação Mauricio Gragois queria apenas o registro na íntegra do processo da anistia e ter isso como arquivo histórico. Foi aí que percebi que aquela história podia render muito mais e apresentei um roteiro para realizarmos o documentário que pudesse, num futuro, participar de festivais e mostras, e que mais pessoas pudessem ter acesso ao episódio da Guerrilha. Como a Fundação não tinha experiência no desenvolvimento do audiovisual, então eu apresentei a Oka Comunicações e assim nasceu a parceria do Documentário.Desde do início, eu procurava contar a história da Guerrilha através do olhar do camponês. Basicamente, a marcação do roteiro seguiu quatro perguntas: como era região, como você (camponês) chegou aqui, como foi o seu contato e impressão dos "paulistas" (os Guerrilheiros), como foi no tempo da Guerrilha e o contato com os militares e, por último, como você (camponês) e a região ficaram após a guerrilha. Veja que num documentário a gente procura seguir uma linha de roteiro para não fugir da história inicialmente pensada, e não propriamente um roteiro, como num filme de ficção. Mas aí fui percebendo que a história não fechava direito, faltava informações do porquê dos "paulistas" terem se deslocado para a região do sul do Pará e da tática militar utilizada pela ditadura para aniquilar os guerrilheiros. Então, eu e os produtores achamos melhor incorporar no documentário pessoas que preenchessem essas informações, como Renato Rabelo, presidente do PCdoB, e Romualdo Pessoa, professor da UFG que lançou um excelente livro intitulado "Guerrilha do Araguaia, a esquerda em armas".Um dos diferenciais da produção é tratar da Guerrilha do Araguaia a partir do povo da região. Você consegue citar algum personagem que seja mais marcante para você?Esse é de fato o diferencial, contar através do olhar do camponês. Sabemos pouco sobre o episódio pelos militares. Já o PCdoB tem vários registros que remontam a Guerrilha, como o Relatório de Arroio e Araguaia - relato de um guerrilheiro, de Glênio de Sá, para citar dois. Mas há vários documentos e livros a respeito. Não há exatamente o mais marcante, pois se a gente pegasse a história só de um camponês já teriamos um bom documentário. Porém, há histórias interessantes que acabaram não entrando no documentário, por conta do que eu disse de seguir uma linha de pensamento. Uma delas é da camponesa Neusa e o guerrilheiro Amaro, que mesmo sendo proibidos de ter um relacionamento amoroso - pois era perigoso para a organização - decidiram viver juntos, ele com mais de 40 e ela com 19 anos. Tiveram muitos filhos, todos com nomes de guerrilheiros. Amaro faleceu na década de 90 e Neusa está no documentário.Mas a história mais impressionante foi contada pela camponesa e professora Oneide. Ela preparou um festival de teatro entre os alunos da região para ser apresentado em praça pública, com diversos temas locais. Foi feita uma montagem da Guerrilha e quando uma aluna interpretava Dina, uma guerrilheira, a polícia e o prefeito entraram dispersando a população e tiraram a roupa da jovem, deixando-a nua na praça, isso em 2006.Que outras novidades o filme traz (imagens inéditas, informações novas etc.)?A novidade, sem dúvida, são os relatos dos camponeses. No entanto, a TV Mirante nos cedeu imagens de treinamento do exército na região utilizados como forma de intimidamento que são impressionantes. Eles estavam indo para uma guerra de fato. Já as imagens do cotidiano da época, dos camponeses jovens, aqueles retratos de casamento, de pais, que no norte e nordeste são comuns, isso se perdeu, pois os militares queimaram tudo o que pudesse guardar alguma lembrança.Quem são os apoiadores da produção? Como você avalia a viabilidade comercial de documentários como o seu no cenário atual?O financiamento do documentário se deu através da Fundação Maurício Grabois e seu presidente Adalberto Monteiro, além do apoio de Leocir Rosa e Osvaldo Bertolino, que também nos ajudaram na condução no sul do Pará. Tivemos ainda a Oka Comunicações, através do meu amigo Rogerio Zagallo, produtor e editor, que se dedicou muito na finalização, Bruno Mitih, o fotógrafo, Daniel Altman, que musicou o filme, e eu, claro, fazendo quase tudo a custo zero. Foi o chamado "cinema de guerrilha". O formato documentário no Brasil vem ganhando bastante prestígio, tem produções para todos os gostos, como "Jogo de Cena", "Dzi Croquetes", "Cidadão Boilesen", "Terra Deu, Terra Come", "Alô Alô Teresinha". As salas de cinemas com esses trabalhos vêm tendo um público cativo.Depois da participação na Mostra, o filme será exibido em algum circuito e sairá em DVD?Passamos pelo Festival do Rio e agora estamos na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, e isso é bem legal porque o filme passa a falar para mais pessoas. Ainda estamos aguardado respostas de outros festivais, inclusive fora do Brasil, mas não pensamos no circuito comercial, pois exige um investimento alto para a exibição nas salas. Acho mais interessante caminhar para a televisão e estamos em conversas com as TVs públicas e comunitárias. Já o DVD logo mais estará disponível no site da Fundação.
publicado por 100porcentoloucospeloaraguaia às 16:21

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